HISTÓRIA: Ford T, o carro que "inventou" o capitalismo!

QUANDO SE FALA em Ford T fala-se, passe a redundância, no carro do século XX. A eleição, que reuniu mais de uma centena de jornalistas especializados de todo o mundo, colocou-o à frente de modelos como o Mini, o Citroën DS, o Volkswagen e o Porsche 911. Também é possível dizer que se trata do segundo carro mais vendido de sempre, logo atrás do Volkswagen Carocha. Embora o valor total de produção, superior a 15 milhões de unidades, seja incerto. É que, após ter deixado de ser fabricado nos EUA, continuou a ser montado um pouco por esse Mundo fora… Mais polémico ainda, o capitalismo deve ao T e ao génio criativo de Henry Ford a sua própria implementação. Por fim, refira-se que este foi o primeiro carro a poder ser vendido em qualquer cor. Desde que fosse preto, obviamente…

A IDEIA anterior é aquela que melhor define a noção de racionalidade que representou o Ford T.
A sua importância não recai no facto de se tratar de um carro demasiado revolucionário para a época. Antes por ter sido o primeiro modelo automóvel a utilizar métodos inovadores de construção, representando, durante muitos anos, o conceito de fabrico «em série» que marcou indelevelmente a indústria americana em geral.
Este método de produção desencadeou aquilo que hoje chamamos "linha de montagem", Um processo que consiste em ir construindo um carro em cima de uma passadeira rolante, com cada operário a desempenhar uma tarefa específica. Isto originou uma economia de custos e uma rapidez de montagem até ai nunca alcançadas, acabando por fazer escola. Para termos uma noção mais exacta, as doze horas iniciais que demorava a construir cada T, rapidamente caíram para cerca de hora e meia. Como resultado, o modelo que em 1909 era vendido por 900 dólares, quatro anos depois custava 600 e, na fase final da sua produção, pouco mais de 260!

É EVIDENTE que nada disto teria sido possível se o Ford T não tivesse sido concebido para tornar este método viável.
Desde o início que Henry Ford, o seu criador, o desejou simples e acessível. E tal como, alguns anos depois, Ferdinand Porsche na Alemanha (o "pai" do Carocha, ler AQUI)—, Ford sabia que só a produção em massa tornaria o seu desejo uma realidade.
Esse foi sem dúvida o maior legado de Henry Ford. Até aí, os automóveis eram construídos de uma forma muito artesanal. A própria ideia de "carro" era um sonho para muitos americanos. Para muitos, nessa altura, um automóvel ainda era conhecido como uma "carruagem com motor". Na realidade, pouco eram mais do que isso, difíceis de manobrar, desconfortáveis, nada práticos de conduzir e, principalmente, inacessíveis à comum das bolsas.

QUANDO ANALISADO segundo padrões actuais, o próprio Ford T não é um carro prático. O acelerador tem a forma de uma alavanca e situa-se junto ao volante, com uma outra a definir o avanço do motor. E dois pedais: um para andar para a frente, outro para andar para trás.
O mais importante do Ford T — e que permitiria cumprir os desígnios do seu criador — é que possui uma plataforma sobre a qual podem assentar vários tipos de carroçaria sem obrigar a grandes transformações. Quer durante o processo de fabrico como posteriormente. Isto torna-o deveras versátil, permitindo a constante adaptação do automóvel a várias funções.
Além disso, cada peça foi concebida em ligas especiais e até ai inéditas no sector. Apesar de mais resistentes, eram também mais leves, de forma a permitir que os operários as pudessem colocar com menor esforço. Para diminuição de custos e de tempo, o motor continha um número reduzido de componentes e a própria transmissão dispunha de um novo tipo de engrenagens mais fiáveis e resistentes.

O MOTOR de 2,9 litros só debitava 19 cv. Mas a velocidade máxima de 55 km/h era suficiente. Afinal, as auto-estradas só vieram depois! O carro é alto para puder transpor os obstáculos da maioria dos caminhos da altura, na maioria em terra e quase sempre enlameados, ou ser usado como veículo de trabalho.
Um pormenor curioso são os travões de tambor apenas às rodas traseiras. Isso porque, na época, supunha-se que capotaria caso os dispusesse à frente.
A eficácia do processo de fabrico fez crescer a sua produção e levou à diminuição do seu custo final.
E os seus operários viram os esforços recompensados quando Henry Ford, em mais uma medida completamente inédita, decidiu dobrar os seus salários.
Isso só foi possível porque as fábricas, dispondo de menos trabalhadores, produziam mais automóveis do que as suas concorrentes.

O FORD T conheceu uma vida longa e massificou o automóvel nos EUA. Foi mesmo um dos principais responsáveis pelo novo conceito de cidade e subúrbios.
No princípio dos anos 20 do século passado, um em cada dois automóveis era um Ford T. Foi decisivo para a própria implementação do conceito de capitalismo, fruto não apenas da crescente industrialização daquela que se tornaria a maior nação do mundo como, e sobretudo, pelo facto de proporcionar condições para que o próprio operário acabasse por se tornar ele mesmo o principal consumidor.
Tudo isto faria com que a América se colocasse muitos anos à frente da Europa. Só muitos anos depois, com o VW, acabaria por adoptar os mesmos princípios.
Contudo, ainda que tenha recebido várias evoluções e melhoramentos, a sua importância decresceu durante a década de 20, quando se desejava mais conforto e desempenho dinâmico. Em 1927 cessaria a sua produção nos Estados Unidos, continuando, ainda assim, a ser construído em muitos outros países.

HENRY FORD comandou os destinos da empresa que criara até 1943. Conheceria outros êxitos e fracassos, falecendo aos 83 anos na sua cidade natal, Dearborn, localizada no Estado americano de Michigan, actualmente a sede da Ford.
A sua obra é parte indelével da história da América e do Mundo, além de continuar a ser objecto de estudo económico.
E para quem se interroga sobre a frase a si atribuída - "Pode escolher a cor de carro que quiser, desde que seja preta"…-, a razão é muito simples: a tinta preta era a que resultava mais barata. Era a única que dispensava mais do que uma linha de montagem, já que permitia o uso de uma laca especial capaz de reduzir o tempo de secagem da pintura.

FOI NO DIA 7 DE OUTUBRO DE 1913 que Henry Ford inaugurou, na sua fábrica de Highland Park, a primeira linha de montagem final móvel da indústria automóvel. Rudimentar e movida por cordas, este sistema básico estendia-se ao longo de um espaço amplo da fábrica e era composto por roldanas e cordas colocadas ao longo do piso.
Nesse dia, 140 operários ocuparam a sua posição fixa ao longo dos cerca de 46 metros de comprimento da linha e começaram a montar as 3.000 peças nos chassis dos Ford Model T à medida que os mesmos lhes chegavam puxados ao longo do piso pelo sistema de roldanas.
As 12 horas de mão-de-obra da montagem final da linha estática anterior caíram drasticamente para pouco mais de 3 horas com o sistema móvel.
Em Janeiro de 1914 as cordas foram substituídas por uma corrente contínua.

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